Entrevista: Presidente da Fenafar fala da luta contra a MP653 e das conquista da categoria.

Para Ronald dos Santos, a unidade, mobilização e diálogo foram centrais para o enfrentamento da MP 653.

 

Em entrevista ao site da Fenafar, Ronald Ferreira dos Santos conta como foi o processo de luta contra a MP. Ele denunciou os interesses econômicos que levaram à sua edição e, em seguida, se materializaram de forma ainda mais forte no parecer do relator Manoel Júnior (PMDB/PB), amarrado em compromissos com financiadores da campanha, num exemplo claro do porque o Brasil precisa, urgentemente, de uma reforma política. Ronald ressalta, ainda, que a categoria se mobilizou como nunca em torno de três conceitos fundamentais, já trabalhados pela Fenafar há muitos anos: o da farmácia estabelecimento de saúde, do farmacêutico como profissional de saúde e do medicamento como insumo essencial para a garantia do direito à saúde. Entre as conquistas obtidas pela ação unitária da categoria e das suas entidades, além da perda da validade da MP, Ronald aponta: a própria mobilização dos farmacêuticos de Norte a Sul do Brasil. Leia a seguir.

 

Fenafar: Como foi construída a estratégia de luta das entidades contra a MP 653?

Ronald Ferreira dos Santos: A principal preocupação desde a edição da MP 653 era o fato de ela limitar uma das principais conquistas da lei 13.021: sobre a autoridade deste novo estabelecimento que ficou delineado na lei, que é a farmácia como estabelecimento de saúde e que a autoridade técnica é do farmacêutico. Ou seja, é o trabalho do farmacêutico que vai qualificar este novo estabelecimento. A medida provisória, preocupada com os rincões e preocupada com as micros e pequenas empresas, secundarizou esta questão central. Então a nossa preocupação desde o primeiro momento foi a de não permitir retrocessos e, para isso, fomos buscar os diálogos no Congresso Nacional.

O primeiro movimento realizado foi garantir que a presidência da comissão mista fosse ocupada por aliados da nossa luta. Isso envolveu um esforço de articulação bastante grande e, então conquistamos que a senadora Vanessa Grazziotin fosse a presidenta da comissão.

O segundo momento foi debater o máximo possível com os parlamentares e com a sociedade quais os riscos que estavam colocados pela MP 653. Isso foi feito durante as audiências públicas, ampliando o debate e deixando bastante claro o atraso que significaria a manutenção da medida provisória.

Tivemos um terceiro momento, que foi o debate em torno da proposta do relator. E que nos surpreendeu com uma proposta pior do que a própria medida provisória, trazendo uma série de contrabandos.

A partir daí, iniciamos um processo forte de diálogo com todos os setores, oposição e governo, para tentar construir um entendimento mínimo dos problemas colocados pela medida provisória e agravados pelo parecer do relator. Tentamos estabelecer negociação com o relator, apresentando para ele os itens que para nós eram inegociáveis e outros que era possível negociar. O que era inegociável: a questão da responsabilidade técnica que é do farmacêutico e é algo absolutamente inegociável, mas tentando tratar a questão das excessões. Foi esse o processo de negociação. Mas não foi possível ter um acordo com o relator. Embora tenhamos conseguido avançar com a oposição e com o próprio governo, o relator não abriu mão. Convocamos, então, o máximo de manifestações para buscar derrubar o relatório ou fazer com que a medida provisória não prosperasse, perdendo o prazo.

 

Fenafar: O que explica esse relatório tão ruim do deputado Manoel Junior (PMDB/PB)?

Ronald Ferreira dos SantosRonald: O problema da urgência da reforma política. Os mesmos interesses que convenceram a presidenta da República de editar essa medida provisória – traduzindo um lobby bastante grande feito pelo Ministério das micro e pequenas empresas –, esse mesmo poder econômico financiou inúmeros deputados para ver os seus interesses garantidos no Congresso Nacional. Então, o que foi o definidor neste processo foram os compromissos com os financiadores de campanha, literalmente. Foi exatamente isso que levou a esse processo de intransigência e dificuldade de sair com uma negociação em que a saúde, os farmacêuticos e a sociedade fossem vitoriosas. Então a estragética foi fazer caducar a medida provisória, que foi a forma de todos sairmos vitoriosos.

 

Fenafar: Como foi o envolvimento da categoria nesta luta? Houve uma adesão em massa dos farmacêuticos e farmacêuticas?

Ronald:Essa eu acho que foi a maior das conquistas. Nunca se viu na história da categoria farmacêutica um processo de mobilização em todos os cantos do Brasil como houve agora. A partir deste processo, a história vai ser diferente. Justamente porque diversos atores que não se mobilizaram antes, se mobilizaram agora em torno das três teses principais que nós [Fenafar] temos defendido ao longo do tempo. Que é a farmácia estabelecimento de saúde, o farmacêutico como um profissional de saúde e medicamento como um insumo essencial para garantia do direito à saúde. Essas três teses mobilizaram como nunca antes na história, em todos os cantos do Brasil. Essa luta é a nossa principal conquista, porque foi na prática concreta do enfrentamento ao poder econômico que houve essa mobilização de Norte a Sul do Brasil. Esse aprendizado, essa conquista é um dos patrimônios incalculáveis que conseguimos acumular neste processo.

 

Fenafar: Quais são agora, diante da perda de validade da MP, os desafios para a implantação da 13021?

Ronald: Temos falado bastante que não existe equilíbrio, ou se avança, ou se retrocede. Então, os próximos passos são em torno destas três teses principais. Ou seja, é nós buscarmos contratações na sociedade e na prática profissional que validem essas três teses: da farmácia estabelecimento de saúde, farmacêutico profissional de saúde, e o medicamento como insumo essencial. Elas precisão ser materializadas no processo de formação, de construção dos serviços, da inserção do farmacêutico, na valorização do profissional e nas agendas que o Fórum Nacional pela Valorização da Profissão Farmacêutica estabeleceu como prioridade, que são a questão do piso salarial, da jornada de trabalho e da inserção do farmacêutico no SUS. Essas lutas nos permitirão manter o processo na ofensiva e impedir que com certeza os poderesos lobbys que estão no congresso nacional voltem para tentar algum retrocesso.

 

Fenafar: Você acredita que poderá haver judicialização em torno da lei?

 

Ronald: Com certeza, a petição é livre. Inclusive as interpretações que alguns sindicatos patronais estão dando para a lei, completamente equivocadas, já sinalizam que nós não vamos ter menos luta, que nós vamos continuar tento mais luta e mais enfrentamento para garantir que se materialize a 13.021 da prática.

 

Fenafar: E no campo judicial o debate é ainda mais complicado e vai exigir ainda mais unidade da categoria e fortalecimento das entidades.

Ronald: Não tenho a menor dúvida. O Fórum Nacional já está buscando junto a renomados juristas um conjunto de pareceres e de análises jurídicas para dar o máximo de sustentação às conquistas que a 13.021 trouxe.

 

Fenafar: Você avalia que a Fenafar sai como desse processo?

 

Ronald: Muito fortalecida, porque ela teve um protagonismo bastante grande ao lado de outras entidades na liderança desse processo. Chamamos a mobilização e a unidade, apontando para a necessidade do enfrentamento em todas as frentes, nas ruas, no Congresso Nacional, no espaço do Conselho Nacional de Saúde, no espaço do diálogo com outras organizações da sociedade. Foi a Fenafar, junto com o Fórum, quem protagonizou a coordenção deste esforço nacional para o enfrentamento da MP.

 

por Renata Mielli
Publicado em 08/12/2014

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